05 setembro 2012

Reencontro


Aquele era um percurso já habitual no seu dia-a-dia. Sofia gostava do ritual em que se tinha tornado. O odor intenso a eucalipto, o céu tingido de azul só para si, o sorriso das crianças gritado ao longe e as placas de cimento serpenteando a seus pés, faziam-na sempre vestir a pele dum qualquer capitão cruzando os oceanos da vida.
Mas aquele não era um dia habitual, e Sofia sabia-o. O percurso era o mesmo. O odor, o céu e as crianças eram os mesmos. Mas as placas de cimento, ainda que as mesmas, hoje conduziam-na a um porto de abrigo antigo. Daqueles que descobriu casualmente, num dia como qualquer outro do seu passado, e que pelas mesmas razões fortuitas, o deixou para trás quase sem dar por isso. E só quando o perdeu de vista, no curvar da península para mais um oceano a navegar, é que se deu conta da saudade que deixou em si. Uma saudade tatuada com a tinta da memória.
Faz um ano que Sofia não vê Ruben. A imagem do seu cabelo sempre em desalinho assalta-a inesperadamente. A ternura dos seus olhos, olhos que falam o que a boca cala e as mãos não deixam de gritar. Sim, Sofia ainda se lembra bem do que a encantou quando o conheceu.
Quando Ruben telefonou “para tomar um café e saber como estás”, Sofia não pôde deixar de acolher a doce possibilidade de voltar a estar com ele, talvez esta pudesse ser a oportunidade de acalmar as dúvidas que a habitam, de encontrar as respostas para as questões que a perseguem desde que se afastaram um do outro.
Agora, enquanto os seus pés avançam, placa a placa, cimento a cimento, Sofia dá por si mais uma vez, a visitar esse porto de abrigo antigo e a vislumbrar tudo o que poderia ter vivido se lá tivesse decidido atracar. Vagas de memórias sucedem-se no horizonte à sua frente, desenham no azul do céu imagens dispersas, instantes partilhados, palavras proferidas.
O bater do seu coração teima em atiçar as garras da angústia e do medo. O pensamento rodopia num frenesim de dúvidas “Porquê que não funcionou entre nós? O que se passou para nos afastarmos sem nunca termos falado? Tudo parecia fazer tanto sentido… Será que ele sentiu o mesmo que eu? Não vale a pena pensares nisso Sofia, o que lá vai, lá vai… mas porquê que nunca falámos?”. Perdida nesta tempestade de incertezas, é com o breu dos seus olhos que Sofia finalmente o vê caminhando a sorrir para si. Ruben pisando as mesmas placas de cimento que ela.
Sofia fica desarmada, tudo à sua volta desaparece. Só ela e Ruben existem nesse momento. Mas os seus pés movem-se agora sem pressa, felizes e seguros de si no seu caminhar. O cabelo longo e escuro parece querer brincar com o vento, alheio ao sorriso que assoma radiante no seu rosto.
Ruben está igual. O cabelo em desalinho, aquele andar desenvolto e assertivo tão característico e estranhamente familiar. Ruben esfrega o rosto com a mão esquerda, como quem tenta esconder o que lhe vai na alma. Sofia reconhece o gesto, é apenas o medo que espreita. Dirigem-se a um banco de madeira acolhido na sombra fresca de um carvalho. A cumplicidade que os une num breve silêncio é rapidamente invadida pela emergência do que nunca foi falado. Sofia percebe nesse instante que não mais quer abandonar este porto de abrigo, sente-o no fundo do seu ser. Perdeu finalmente o medo e vestindo mais uma vez a pele dum qualquer capitão cruza os oceanos imensos que os separam. “Deixaste crescer a barba…” diz enquanto se abraçam num instante que se eterniza. Ruben passa-lhe a mão pelo rosto suavemente e sorri “Estás bonita miúda, senti a tua falta!”.

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