Está tudo na tua cabeça...
Porque somos aquilo que sentimos, porque vemos apenas o que percepcionamos, porque existimos muito para além de nós próprios... e porque não "Está tudo na tua cabeça..."?
25 maio 2013
11 abril 2013
Já podes ir...
O dia em que morri
E me despedi de quem
um dia fui
Reencontrei-te em mim,
tu que um dia morreste antes do tempo
Tu que ainda esperas o
que não mais virá…
Hoje acolhi-te em meus
braços e chorei…
Por ti, por mim…
Chorei a saudade, a
dor, o desgosto, a injustiça!
E não te(me) quis largar
e agarrei-te(me) com força!
Com que tenacidade!
Porque nunca antes te(me)
tinha abraçado…
Esta menina esquecida
e desamparada,
Que esta noite (me) reencontrei(ou)
nos confins de mim mesma
A memória de ti(mim),
Sempre sozinha no meio
duma multidão de gente
Gente que te(me) cuidava
e te(me) prometia amar
Que se esqueceu de te(me)
olhar
Gente também ela
esquecida e desamada
E que nunca foi
olhada,
Que não sabia como
te(me) amar
Hoje é o dia em que eu
morri e que te enterro a ti,
Que me despeço e que te(me)
choro
Ficas bem minha
menina?
Custa tanto deixar-te
ir sem te poder dar uma história por viver…
Oh teimosia obstinada!
Oh esperança que mata
lentamente…
Vais ter de renunciar,
vais ter de aceitar…
Eu ajudo-te(me), agora
estou cá eu
E hoje tem de ser,
sabes?
Vou ter de te(me)
deixar ir…
E enquanto choramos juntas, num abraço terno e doloroso de separação,
Deixo-te ir, deixo-te
ficar onde um dia exististe e morreste antes do tempo
E deixo-te(me) ir com
o abraço que nunca te(me) dei
Para que, pelo menos
hoje, te tenhas sentido amada, acolhida e amparada
Porque o dia em que
morreste foi o dia em que eu nasci
Hoje, que te acolho por
uns segundos e te devolvo ao património da minha infância…
Não chores mais menina
dos olhos de azeitona
Pois renasço eu para
te poder continuar…
17 fevereiro 2013
A gota de água...
Leonor entrou em
casa bem-disposta. Apesar da quantidade de trabalho extenuante que tinha tido
naquele dia, o mesmo tinha sido proveitoso. Nicola estava estirado no sofá a ler
um jornal.
- Olá amor, já
jantaste? – cumprimentou-o enquanto despia o casaco com desenvoltura.
- Já! Deixei o teu
prato no micro-ondas para aqueceres.
- És um anjo. Estou
esfomeada. – desabafou, dirigindo-se à cozinha – Então e o teu dia?
Não obtendo
resposta, espreitou pela porta da sala colorida de pósteres e insistiu.
- Como foi o teu dia?
- Foi bom e o teu? –
respondeu Nicola sem levantar os olhos do jornal.
- Pode-se dizer que
correu muito bem. Tive uma série de reuniões e conseguimos angariar mais uns
patrocinadores! – gritou do quarto enquanto descalçava as botas altas e pesadas.
O apito do
micro-ondas ressoou na cozinha. Deslizou em pantufas pelo corredor de tijoleira
e agarrou no tabuleiro. Sentou-se no sofá aos pés de Nicola e embrulhou-se na
manta vermelho fúcsia.
- O que estás a ler?
Após uns segundos
sem resposta, Leonor divertida beliscou-lhe o dedo grande do pé escondido por
umas meias grossas de lã.
- Hello? A tua magnífica e emocionante
mulher chegou a casa.
- O que é? Não vês
que estou a ler!
- Ui, hoje estamos maldispostos!
Claro que vejo. Por isso te perguntei.
- Tens razão,
desculpa. Estou a ler uma notícia sobre a ida do Barack Obama à Birmânia –
atalhou Nicola continuando a ler sem levantar os olhos do jornal.
- E o que diz? –
espicaçou-o Leonor antes de levar mais uma garfada à boca.
- Ai que chata!
Deixa-me ler e já te explico.
- Chato és tu que
não podes parar de ler isso e dar-me um bocado de atenção. É sempre a mesma
coisa Nicola.
- Pronto, já
terminei. Desculpa, mas é um assunto que me interessa.
- Ok, já percebi. Eu
é que cheguei tão bem disposta a casa que me apetecia ser recebida de outra
forma, para variar.
- Leonor, tu sabes
que eu não ando bem. Mas isto passa, é só uma fase, prometo. Conta lá então
como foi o teu dia.
- Não há nada para
contar, foi um bom dia e estou feliz. Explica lá isso do Obama.
- Então? Vais amuar,
é?
- Não estou a amuar,
só não me apetece falar agora do meu dia, pode ser?
- Claro que sim.
O silêncio
instalou-se. Leonor acabou de mastigar demoradamente a última garfada e
engoliu-a temperada pelo ressentimento. Levantou-se e saiu da sala enquanto
Nicola agarrava no jornal, esticando-se novamente no sofá.
Ela sabia
perfeitamente o que dizia aquela notícia. Tinha-a lido ao pequeno-almoço,
sentada na cozinha ao som do esquentador que aquecia o banho de Nicola.
Passando pela porta
da sala em direcção ao escritório, olhou-o ali deitado. A aparente indiferença que
lia nele consumia-a havia já vários meses. Não a entendia e exasperava-se
consigo própria por não conseguir aceder ao que estava na origem deste muro que
se erguia entre eles e não mais parava de crescer.
Ao entrar no
escritório deparou-se mais uma vez com a sua secretária minada de migalhas e
guardanapos sujos. Aquilo era demais para ela. Subiu-lhe um monstro pela
garganta acima e ouviu-se berrar numa voz e volume que não eram os seus.
O que se passou a
seguir, isso sim, era digno de uma notícia a ser lida por Nicola. Se ele ainda
cá estivesse.
09 fevereiro 2013
O meu Super-Herói - Relato Autobiográfico
Recordo-me de olhar para cima, abraçada às suas
pernas, e de pensar “ele é tão grande! Quando crescer quero ser como ele!”.
Olhando hoje em dia para a altura a que ficam os seus joelhos, penso que eu não
deveria ter mais de 4 anos de idade. Naquele tempo ele era o meu Super-Herói,
que tudo sabia e tudo podia. Era enorme, forte, poderoso e inteligente, se é
que uma menina de 4 anos tem capacidade para pensar as coisas deste modo. Mas é
assim que o relembro. E foi assim que vi o durante muitos anos da minha vida.
Naquele tempo, e à luz de quem sou agora, parece
que a vida saltava de memória em memória, como se ainda não houvesse a noção de
uma continuidade. E esta primeira memória é, sem dúvida alguma, aquela que abre
a porta a todas as que lhe seguiram.
Lembro-me das manhãs em que eu, depois de uma
barrigada matinal de desenhos animados, corria feliz para o seu quarto e
saltava para cima da cama, certa de que me aguardava uma festa de cócegas,
gritos e gargalhadas. Era assim todos os Domingos.
Mais tarde, já o meu irmão tinha nascido e
crescido como gente que já brinca, havia o ritual diário ao qual chamávamos
“Brincar ao Leão”. Ele punha-se de gatas, enorme como era e tal qual um leão, e
eu e o meu irmão provocávamo-lo com elaboradas fintas, correndo por entre as
cadeiras e a mesa. A sala de jantar enchia-se de gritos nervosos e gargalhadas
de felicidade. Quando ele nos apanhava, o que não era difícil porque na
realidade era o que mais desejávamos, deitava-nos aos dois de costas no chão e,
com garras e dentes, mimava-nos com rugidos ferozes recheados de cócegas que
nos faziam rir e implorar por mais.
Depois, veio a minha primeira bicicleta. Adaptada
a uma criança de 6 anos, tinha duas rodinhas extra que garantiam o meu parco
equilíbrio. Foram dias gloriosos esses! Ele descia à cave e trazia a bicicleta
para o largo em frente à nossa casa. Eu montava-a e pedalava radiante e segura
de mim mesma porque tinha as rodinhas e a mão forte dele a acompanhar-me.
Andámos assim algum tempo e um dia, com a promessa de que ele correria a meu
lado segurando o banco para eu não cair, tirámos as rodinhas extra. Eu perguntava-lhe
sempre “estás a segurar?” e ele tranquilizava-me com a sua voz vibrante
enquanto eu pedalava como quem conquista o Mundo pela primeira vez. Num desses
dias, perguntando-lhe mais uma vez se ele estava a segurar, percebi pela
distância da sua voz que estava longe de mim e, olhando de esguelha, compreendi
que me mentia e assustei-me. Contudo, a percepção de que eu continuava a
pedalar livremente, sem cair, sem rodinhas e sem a ajuda dele, fez-me perdoar-lhe
esta primeira mentira. E foi aqui que o meu Super-Herói começou aos poucos a
perder a força no meu imaginário infantil. Mas este foi apenas o primeiro
desencanto de muitos que se seguiram, desencantos esses tão importantes na vida
de qualquer criança, vejo-o agora iluminada pela sabedoria dos anos que
passaram.
Também me recordo das viagens para o Algarve:
todos os anos no mês de Agosto lá íamos nós de malas feitas num Fiat 127
atulhado de excitação e expectativa, com o melhor condutor do Mundo ao volante.
As férias eram sempre passadas em Lagos, em casa duns tios emigrados na Suíça. A
viagem durava uma eternidade, ainda não havia a auto-estrada que existe hoje em
dia. Embalados pela música do rádio ou pelas cantigas partilhadas, eu e o meu
irmão não conseguíamos evitar a típica pergunta “quantos kms faltam?”. E ele,
na sua imensa paciência lá nos ia debitando a quilometragem, afiançando que
“estava quase”.
E assim fui crescendo ao longo do tempo, guiada
pelo amor, carinho e confiança que o meu Super-Herói inspirava e transmitia.
Agora, já mulher feita, quando olho para ele,
ainda recordo esse Super-Herói que alimentou o meu crescer e nutriu o meu
desejo de ser grande, forte e inteligente. E revejo com ternura essa memória tatuada
em mim quando ainda apenas atingia a altura dos seus joelhos.
Hoje, de olhos nos olhos, porque cresci e sou
grande como ele (temos a mesma altura), vejo-o como ele realmente é: um homem
com as suas fragilidades, medos e limitações. E apesar de há muito ter
compreendido que afinal de contas o meu Pai não é um Super-Herói, e sim um
homem que sempre fez o melhor que podia e sabia, continuo a acarinhar essa
memória que trago comigo, pois sei que sem o Pai Super-Herói da minha infância
eu não seria quem sou.
O Cesto das Maçãs
Era uma vez um menino e uma menina
que tinham um cesto muito bonito repleto de maçãs brilhantes e saborosas. Havia
maçãs de todos os tipos e feitios: maçãs do amor, maçãs da paz, maçãs da
comunicação, maçãs da risota, maçãs da cumplicidade, maçãs das viagens, maçãs
dos fins-de-semana, maçãs de cinema, de praia, de música, de amizade, de
confiança, de ternura, de medo, de dúvidas, maçãs de honestidade, maçãs de
respeito, de livros, de comida, enfim, todas as maçãs da vida a que os meninos
e meninas têm direito quando decidem cuidar juntos do seu cesto.
O menino e a menina costumavam
partilhar essas maçãs com grande prazer e tentavam garantir que esse cesto
nunca ficasse vazio. Mas por vezes apareciam maçãs que começavam a apodrecer e
que ameaçavam estragar todas as outras por contágio se não fossem rapidamente tiradas
e tratadas. A menina era a que mais se preocupava com este cuidado. E gostava
muito de manter o cesto limpo e arrumado, com as belas maçãs dispostas
harmoniosamente e sempre prontas a serem partilhadas. O menino gostava mais de
as baralhar e desarrumar. A menina não se importava muito com isso, chegava às
vezes até a fazer o mesmo só para se sentir mais próxima do menino e aprender
com ele a arte da desarrumação. E também porque para ela, limpar e arrumar as
maçãs que partilhava com tanto amor com o menino, era algo que lhe dava muito
gosto. Ela estava sempre pronta para o surpreender com a maçã mais bonita e
saborosa, tentava sempre encontrar a maçã que ele mais iria gostar. O menino
ficava sempre muito feliz e isso fazia a menina sentir-se no céu. O menino
também se esforçava por estar atento aos desejos da menina, e no seu modo
próprio também a surpreendia com as mais belas maçãs.
A menina adorava experimentar de
todas as maçãs com o menino, chegando mesmo a sonhar como seria esta ou aquela,
experimentar uma disposição diferente, imaginar e projectar como seria aquele
cesto no futuro. O menino era mais avesso a essas divagações, receava que sonhar
e projectar fosse algo de perigoso. A menina era quem mais se preocupava com as
maçãs podres que por vezes teimavam em aparecer. O menino não se apercebia
tanto, estava a atravessar uma fase muito difícil na vida dele. E na realidade
para ele isso era uma chatice, quase como se ele ao não querer ver as maçãs que
apareciam podres, imaginasse que talvez estas desaparecessem magicamente sem
causar danos. E assim o menino afastava-se muitas vezes do cesto das maçãs, recusando
e negando a realidade que teimava em impor-se, deixando muitas vezes a menina
sozinha nesse cuidar.
De início ela não se importava de as
agarrar, descascar, limpar e comer o que ainda estava bom, pois sabia que ele
não estava tão capaz de o fazer, mas sentia sempre que era algo que deveria ser
feito a dois, pois cabia a ambos garantir que o cesto nunca apodrecesse por
completo. E por isso, quando sentia que era altura de o fazer com o menino,
chamava-o e dizia-lhe “está uma maçã podre no cesto”, mas o menino ficava muito
zangado com ela. Sentia sempre que ela lhe estava a dizer que era culpa dele.
O menino tinha dificuldade em
compreender que ela apenas se queria sentar com ele para juntos cuidarem
daquela maçã que ameaçava apodrecer o cesto todo caso não fosse pacientemente
descascada, limpa e partilhada. A culpa não era de ninguém na realidade, eles
eram apenas um menino e uma menina que estavam a aprender a cuidar do seu cesto
de maçãs pela primeira vez.
Então a menina, sentindo-se muito triste e
incompreendida, deixava a maçã podre no topo das outras maçãs, na esperança que
o menino não se esquecesse do pedido dela. Mas ele quando via a maçã, pegava
nela e colocava-a no fundo do cesto, tapada pelas maçãs saudáveis: não a vendo
é como se não existisse, talvez chegasse a ficar boa outra vez. E a menina
ficava sempre com muito receio, pois sabia que estava uma maçã podre, bem
escondida, mas bem real, a contaminar o resto do cesto. Por diversas vezes
pegou ela mesma sozinha na maçã e tratou dela com carinho e cuidado, pois sabia
que os cestos de maçãs que os meninos e meninas de todo o mundo partilham, têm
de ser diariamente cuidados e tratados pelos dois. Por vezes o menino deitava
fora a maçã podre, esquecendo-se que assim ambos perdiam a possibilidade de
provar aquela maçã tão específica e aprenderem com ela uma das muitas lições da
vida.
Com o passar do tempo, a menina foi
ficando mais desgostosa, pois temia não conseguir dar conta do recado sozinha.
As maçãs podres teimavam em crescer bem lá no fundo do cesto. Então, um dia
abordou o menino mais uma vez e disse-lhe “estão várias maçãs podres no cesto”
e o menino ficou muito zangado e virou-lhe as costas, disse que não queria
saber das maçãs, que a culpa não era dele. A menina nesse dia perdeu a cabeça e
zangou-se, atirou-lhe todas as maçãs podres à cara. Ele foi-se embora muito
magoado e zangado. A menina ficou sem poder explicar e entender o que aquelas
maçãs podres poderiam estar a fazer à cesta deles. E o menino também. Mais
tarde, nesse dia, a menina pediu desculpa e disse que queria falar com ele. O
menino também pediu desculpa e encontraram-se, mas com a condição de nesse dia
esquecer o sucedido e nada falarem.
E nos dias seguintes, tanto a menina
como o menino não mexeram mais no cesto de maçãs. Mas a menina angustiava-se ao
ver as maçãs podres junto das saudáveis. E esperava que o menino também se
preocupasse, e que a seu tempo se juntasse a ela para tornarem o seu cesto de
maçãs saudável novamente. Ela sabia que se todo o cesto apodrecesse nada mais
haveria para eles cuidarem e partilharem em conjunto. E isso era algo que ela
não queria, gostava demasiado do menino e sabia que ele também gostava dela.
A menina esperou e esperou. As maçãs
foram apodrecendo, uma a uma, e o menino continuou a fingir que nada se tinha
passado ou se estava a passar. A menina foi ficando cada vez mais triste e
percebeu que ficar ali sozinha perante um cesto de maçãs a apodrecer só lhe
fazia mal e foi-se afastando cada vez mais. Também ela virou as costas ao
cesto, mas sem nunca esquecer o que se estaria a passar dentro do mesmo. O
menino foi-se escondendo nos seus afazeres do dia-a-dia, como se nada passasse.
Finalmente um dia, o menino percebeu
que a menina estava diferente com ele, mais distante e triste, e decidiu falar
com ela. A menina aceitou esperançada. Mas quando se juntaram para olhar o seu
cesto de maçãs e partilharem a maçã da paz e do entendimento, já nada havia no
cesto: as maçãs tinham apodrecido todas… E foi com grande dor e tristeza que
olharam pela última vez em conjunto aquele cesto que tinha sido outrora tão
bonito e tão rico de maçãs vistosas e saudáveis. Já nada havia para cuidar. Num
último gesto de despedida, juntos despejaram as maçãs podres do cesto e
partiram para o mundo com a maior lição que a vida tinha para lhes ensinar: que
um amor que não é cuidado e partilhado, tanto no bom, como no mau, acaba sempre
por apodrecer silenciosa e insidiosamente, para no lugar dele nada ficar, a não
ser a dor e o sofrimento de um vazio um dia antes soberbamente preenchido.
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