Leonor entrou em
casa bem-disposta. Apesar da quantidade de trabalho extenuante que tinha tido
naquele dia, o mesmo tinha sido proveitoso. Nicola estava estirado no sofá a ler
um jornal.
- Olá amor, já
jantaste? – cumprimentou-o enquanto despia o casaco com desenvoltura.
- Já! Deixei o teu
prato no micro-ondas para aqueceres.
- És um anjo. Estou
esfomeada. – desabafou, dirigindo-se à cozinha – Então e o teu dia?
Não obtendo
resposta, espreitou pela porta da sala colorida de pósteres e insistiu.
- Como foi o teu dia?
- Foi bom e o teu? –
respondeu Nicola sem levantar os olhos do jornal.
- Pode-se dizer que
correu muito bem. Tive uma série de reuniões e conseguimos angariar mais uns
patrocinadores! – gritou do quarto enquanto descalçava as botas altas e pesadas.
O apito do
micro-ondas ressoou na cozinha. Deslizou em pantufas pelo corredor de tijoleira
e agarrou no tabuleiro. Sentou-se no sofá aos pés de Nicola e embrulhou-se na
manta vermelho fúcsia.
- O que estás a ler?
Após uns segundos
sem resposta, Leonor divertida beliscou-lhe o dedo grande do pé escondido por
umas meias grossas de lã.
- Hello? A tua magnífica e emocionante
mulher chegou a casa.
- O que é? Não vês
que estou a ler!
- Ui, hoje estamos maldispostos!
Claro que vejo. Por isso te perguntei.
- Tens razão,
desculpa. Estou a ler uma notícia sobre a ida do Barack Obama à Birmânia –
atalhou Nicola continuando a ler sem levantar os olhos do jornal.
- E o que diz? –
espicaçou-o Leonor antes de levar mais uma garfada à boca.
- Ai que chata!
Deixa-me ler e já te explico.
- Chato és tu que
não podes parar de ler isso e dar-me um bocado de atenção. É sempre a mesma
coisa Nicola.
- Pronto, já
terminei. Desculpa, mas é um assunto que me interessa.
- Ok, já percebi. Eu
é que cheguei tão bem disposta a casa que me apetecia ser recebida de outra
forma, para variar.
- Leonor, tu sabes
que eu não ando bem. Mas isto passa, é só uma fase, prometo. Conta lá então
como foi o teu dia.
- Não há nada para
contar, foi um bom dia e estou feliz. Explica lá isso do Obama.
- Então? Vais amuar,
é?
- Não estou a amuar,
só não me apetece falar agora do meu dia, pode ser?
- Claro que sim.
O silêncio
instalou-se. Leonor acabou de mastigar demoradamente a última garfada e
engoliu-a temperada pelo ressentimento. Levantou-se e saiu da sala enquanto
Nicola agarrava no jornal, esticando-se novamente no sofá.
Ela sabia
perfeitamente o que dizia aquela notícia. Tinha-a lido ao pequeno-almoço,
sentada na cozinha ao som do esquentador que aquecia o banho de Nicola.
Passando pela porta
da sala em direcção ao escritório, olhou-o ali deitado. A aparente indiferença que
lia nele consumia-a havia já vários meses. Não a entendia e exasperava-se
consigo própria por não conseguir aceder ao que estava na origem deste muro que
se erguia entre eles e não mais parava de crescer.
Ao entrar no
escritório deparou-se mais uma vez com a sua secretária minada de migalhas e
guardanapos sujos. Aquilo era demais para ela. Subiu-lhe um monstro pela
garganta acima e ouviu-se berrar numa voz e volume que não eram os seus.
O que se passou a
seguir, isso sim, era digno de uma notícia a ser lida por Nicola. Se ele ainda
cá estivesse.
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