09 fevereiro 2013

O Cesto das Maçãs



Era uma vez um menino e uma menina que tinham um cesto muito bonito repleto de maçãs brilhantes e saborosas. Havia maçãs de todos os tipos e feitios: maçãs do amor, maçãs da paz, maçãs da comunicação, maçãs da risota, maçãs da cumplicidade, maçãs das viagens, maçãs dos fins-de-semana, maçãs de cinema, de praia, de música, de amizade, de confiança, de ternura, de medo, de dúvidas, maçãs de honestidade, maçãs de respeito, de livros, de comida, enfim, todas as maçãs da vida a que os meninos e meninas têm direito quando decidem cuidar juntos do seu cesto.
O menino e a menina costumavam partilhar essas maçãs com grande prazer e tentavam garantir que esse cesto nunca ficasse vazio. Mas por vezes apareciam maçãs que começavam a apodrecer e que ameaçavam estragar todas as outras por contágio se não fossem rapidamente tiradas e tratadas. A menina era a que mais se preocupava com este cuidado. E gostava muito de manter o cesto limpo e arrumado, com as belas maçãs dispostas harmoniosamente e sempre prontas a serem partilhadas. O menino gostava mais de as baralhar e desarrumar. A menina não se importava muito com isso, chegava às vezes até a fazer o mesmo só para se sentir mais próxima do menino e aprender com ele a arte da desarrumação. E também porque para ela, limpar e arrumar as maçãs que partilhava com tanto amor com o menino, era algo que lhe dava muito gosto. Ela estava sempre pronta para o surpreender com a maçã mais bonita e saborosa, tentava sempre encontrar a maçã que ele mais iria gostar. O menino ficava sempre muito feliz e isso fazia a menina sentir-se no céu. O menino também se esforçava por estar atento aos desejos da menina, e no seu modo próprio também a surpreendia com as mais belas maçãs.
A menina adorava experimentar de todas as maçãs com o menino, chegando mesmo a sonhar como seria esta ou aquela, experimentar uma disposição diferente, imaginar e projectar como seria aquele cesto no futuro. O menino era mais avesso a essas divagações, receava que sonhar e projectar fosse algo de perigoso. A menina era quem mais se preocupava com as maçãs podres que por vezes teimavam em aparecer. O menino não se apercebia tanto, estava a atravessar uma fase muito difícil na vida dele. E na realidade para ele isso era uma chatice, quase como se ele ao não querer ver as maçãs que apareciam podres, imaginasse que talvez estas desaparecessem magicamente sem causar danos. E assim o menino afastava-se muitas vezes do cesto das maçãs, recusando e negando a realidade que teimava em impor-se, deixando muitas vezes a menina sozinha nesse cuidar.
De início ela não se importava de as agarrar, descascar, limpar e comer o que ainda estava bom, pois sabia que ele não estava tão capaz de o fazer, mas sentia sempre que era algo que deveria ser feito a dois, pois cabia a ambos garantir que o cesto nunca apodrecesse por completo. E por isso, quando sentia que era altura de o fazer com o menino, chamava-o e dizia-lhe “está uma maçã podre no cesto”, mas o menino ficava muito zangado com ela. Sentia sempre que ela lhe estava a dizer que era culpa dele.
O menino tinha dificuldade em compreender que ela apenas se queria sentar com ele para juntos cuidarem daquela maçã que ameaçava apodrecer o cesto todo caso não fosse pacientemente descascada, limpa e partilhada. A culpa não era de ninguém na realidade, eles eram apenas um menino e uma menina que estavam a aprender a cuidar do seu cesto de maçãs pela primeira vez.
Então a menina, sentindo-se muito triste e incompreendida, deixava a maçã podre no topo das outras maçãs, na esperança que o menino não se esquecesse do pedido dela. Mas ele quando via a maçã, pegava nela e colocava-a no fundo do cesto, tapada pelas maçãs saudáveis: não a vendo é como se não existisse, talvez chegasse a ficar boa outra vez. E a menina ficava sempre com muito receio, pois sabia que estava uma maçã podre, bem escondida, mas bem real, a contaminar o resto do cesto. Por diversas vezes pegou ela mesma sozinha na maçã e tratou dela com carinho e cuidado, pois sabia que os cestos de maçãs que os meninos e meninas de todo o mundo partilham, têm de ser diariamente cuidados e tratados pelos dois. Por vezes o menino deitava fora a maçã podre, esquecendo-se que assim ambos perdiam a possibilidade de provar aquela maçã tão específica e aprenderem com ela uma das muitas lições da vida.
Com o passar do tempo, a menina foi ficando mais desgostosa, pois temia não conseguir dar conta do recado sozinha. As maçãs podres teimavam em crescer bem lá no fundo do cesto. Então, um dia abordou o menino mais uma vez e disse-lhe “estão várias maçãs podres no cesto” e o menino ficou muito zangado e virou-lhe as costas, disse que não queria saber das maçãs, que a culpa não era dele. A menina nesse dia perdeu a cabeça e zangou-se, atirou-lhe todas as maçãs podres à cara. Ele foi-se embora muito magoado e zangado. A menina ficou sem poder explicar e entender o que aquelas maçãs podres poderiam estar a fazer à cesta deles. E o menino também. Mais tarde, nesse dia, a menina pediu desculpa e disse que queria falar com ele. O menino também pediu desculpa e encontraram-se, mas com a condição de nesse dia esquecer o sucedido e nada falarem.
E nos dias seguintes, tanto a menina como o menino não mexeram mais no cesto de maçãs. Mas a menina angustiava-se ao ver as maçãs podres junto das saudáveis. E esperava que o menino também se preocupasse, e que a seu tempo se juntasse a ela para tornarem o seu cesto de maçãs saudável novamente. Ela sabia que se todo o cesto apodrecesse nada mais haveria para eles cuidarem e partilharem em conjunto. E isso era algo que ela não queria, gostava demasiado do menino e sabia que ele também gostava dela.
A menina esperou e esperou. As maçãs foram apodrecendo, uma a uma, e o menino continuou a fingir que nada se tinha passado ou se estava a passar. A menina foi ficando cada vez mais triste e percebeu que ficar ali sozinha perante um cesto de maçãs a apodrecer só lhe fazia mal e foi-se afastando cada vez mais. Também ela virou as costas ao cesto, mas sem nunca esquecer o que se estaria a passar dentro do mesmo. O menino foi-se escondendo nos seus afazeres do dia-a-dia, como se nada passasse.
Finalmente um dia, o menino percebeu que a menina estava diferente com ele, mais distante e triste, e decidiu falar com ela. A menina aceitou esperançada. Mas quando se juntaram para olhar o seu cesto de maçãs e partilharem a maçã da paz e do entendimento, já nada havia no cesto: as maçãs tinham apodrecido todas… E foi com grande dor e tristeza que olharam pela última vez em conjunto aquele cesto que tinha sido outrora tão bonito e tão rico de maçãs vistosas e saudáveis. Já nada havia para cuidar. Num último gesto de despedida, juntos despejaram as maçãs podres do cesto e partiram para o mundo com a maior lição que a vida tinha para lhes ensinar: que um amor que não é cuidado e partilhado, tanto no bom, como no mau, acaba sempre por apodrecer silenciosa e insidiosamente, para no lugar dele nada ficar, a não ser a dor e o sofrimento de um vazio um dia antes soberbamente preenchido.

2 comentários:

  1. Muito bom mas um piriri triste !! Gusto
    Tanto do que escreves Bjs lindos Tiago

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  2. Obrigada meu amor, é bom saber isso!
    :)
    Miss you***

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