01 novembro 2012

O conflito de Gerações





Porque é que a minha filha já não fala comigo?
Porque é que o meu filho se fecha horas no quarto com os amigos?
Porque é que a minha filha se veste como uma artista de cabaret?
Porque é que o meu filho prefere aprender a tocar guitarra em vez de violino?

Porque será tão difícil para os pais lidarem com a adolescência dos filhos? A resposta é tão complexa que para a encontrarmos temos primeiro de pensar no que significa ser pai, ou seja, pensar no que está por detrás do desejo de se ter filhos. E para isso temos de ir mais lá atrás, à infância.
Todos nós, durante o nosso crescimento, fantasiamos um ideal projectado de nós mesmos: a profissão que ambicionamos ter, o género de casa que vamos comprar, o tipo de mulher ou de homem com quem vamos casar, enfim, um número infinito de situações que completam a construção dessa imagem.
Toda esta construção tem por base os diferentes modelos que fomos adquirindo ao longo das duas primeiras décadas da nossa vida, sendo o mais importante deles todos o modelo familiar parental. E é com base neste modelo que vamos definindo quem queremos vir a ser. Quer seja pelo desejo de o replicarmos porque nos satisfez e faz sentido, quer seja pela determinação de fazermos totalmente o oposto porque nos causou sofrimento ou demasiada frustração, este é sem dúvida alguma o primeiro modelo de todos e o que nos vai marcar definitivamente para o resto das nossas a vidas.
Como tal, todos nós sem excepção, carregamos enquanto adultos um projecto idealizado daquilo que quereríamos ser, o qual tivemos de ir adaptando ao longo dos anos, à custa de muita frustração e negociação interna, pela própria imposição da realidade externa (família, sociedade, cultura). Fomos abdicando de muitos sonhos e projectos, procurando soluções de compromisso em que, ao abdicarmos de um sonho, íamos podendo concretizar outro. Isto deixou-nos com uma bagagem de projectos e sonhos por realizar.
É com esta bagagem interna de sonhos e projectos por realizar que, enquanto pais, acolhemos um novo ser na nossa vida, fruto de um amor e desejo que representará a nossa continuidade, tanto biologicamente pela sobrevivência inata da espécie, como emocionalmente pelo desejo de sermos eternos.
E somos, através dos nossos filhos.
Os filhos representam para os pais sempre a possibilidade destes se corrigirem e melhorarem através da sua prole. É por isso que para um pai ou uma mãe, os sucessos ou insucessos, as alegrias ou as dores dum filho são também os seus. Os filhos são a última oportunidade de realizarem aquilo que eles não puderam realizar, e esta possibilidade implica inevitavelmente que os pais, sem terem conscientemente intenção disso, exijam dos mesmos a concretização desse projecto adiado ou incompleto. E é por isso que surgem muitas vezes conflitos entre pais e filhos.
Mas porquê principalmente na adolescência?
Durante a infância, crescemos e aprendemos por modelagem, o que significa que imitamos e copiamos os modelos familiares e sociais que nos circundam (pais, avós, tios, vizinhos, colegas, professores). Adoramos os nossos pais e queremos ser como eles, garantir que lhes agradamos para recebermos o amor e protecção, que nos irão garantir a sobrevivência enquanto seres indefesos e dependentes. Acreditamos que os adultos são todos poderosos e sabedores, é a única forma de podermos confiar neles e acreditar que serão capazes de nos proteger e amar incondicionalmente. Porém, gradualmente vamo-nos apercebendo que não é bem assim. E o culminar desse processo de desilusão das imagens idealizadas que temos dos nossos pais e familiares, dá-se com a entrada na adolescência.
Começamos a virar-nos para os amigos, a descobrir outros interesses, a observar outros adultos e a zanga que advém dessa desilusão face ao casal parental instala-se. Paralelamente, inicia-se também o processo de despedida da nossa própria infância, ou seja, principia o processo de luto pela perda da inocência e desse mundo encantado que foi a nossa infância. E é aqui que se instala o tão conhecido conflito entre gerações. Vamos à procura de novos modelos de identificação, precisamos desesperadamente de reencontrar quem nos guie, pois os nossos pais começam a tornar-se obsoletos e chatos. Estamos zangados e desiludidos com eles, sentimo-nos enganados e ludibriados por aqueles que mais amamos. E por isso, deixamos de os procurar para desabafar e obter conselhos, passamos a evitar a sua companhia pois preferimos a dos nossos pares, com quem nos identificamos, começamos a vestir coisas diferentes e até ostensivamente provocatórias. Muitas vezes como forma de nos afirmarmos como diferentes daqueles pais, agora vistos como fraudulentos, mas também como parte do processo natural de procura de autonomia e de abertura a um novo mundo.
A maioria dos pais ficam baralhados e magoados. Sentem que já não são tão importantes aos olhos dos filhos, que estes já não precisam tanto deles e reagem naturalmente da única forma que sabem: impondo, exigindo e reclamando. É um período de luto também para eles, têm de abdicar da criança que aquele filho foi e do papel central e exclusivo que representavam na sua vida até aí.
É na adolescência que realmente começamos a descobrir quem somos, agora de costas voltadas para os gostos e desejos parentais. Essa descoberta passa precisamente pelo “ser o oposto” de quem os nossos pais são e desejariam que fôssemos. Começamos a querer experimentar actividades, roupas, áreas de estudo e de lazer diferentes das dos nossos pais. Instala-se o conflito no seio familiar que perdura durante toda a adolescência. O processo de mútua aceitação só se dará naturalmente já na idade adulta dos filhos.
Por tudo isto, para os pais, reconhecer e aceitar que o filho não vai ter a profissão que eles projectaram, ou praticar a actividade desportiva ou lúdica que eles imaginaram, significa ter de abdicar dessa segunda oportunidade de rectificação dos seus próprios sonhos e projectos falhados. E este é também um processo bastante difícil e doloroso para qualquer pai ou mãe. Mas faz parte do próprio ciclo da vida. Os filhos vão repeti-lo, sem se aperceberem, quando forem pais. E assim por diante, de geração para geração. É a natureza humana na sua mais bela e complexa realidade.

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